Criação de 4 milhões de negócios no ano passado reflete sobretudo criação de MEIs por trabalhadores que, sem vaga com carteira, empreendem por necessidade; setor de alimentos puxa novos negócios
Nunca houve tanta empresa nova no País como em 2021. Mais de 4 milhões de companhias estrearam no ano passado, um recorde da série iniciada em 1931, revela o Mapa de Empresas do Ministério da Economia. Isso representa um avanço de 20%, ou 670 mil novas empresas formais, em relação ao resultado de 2020.
“Por esses números, parece que o Brasil virou um celeiro de empreendedores”, afirma o economista Luiz Rabi, da Serasa Experian. Os números a que ele faz referência são os da Serasa. A empresa também apura um indicador de nascimento de empresas cujos resultados são muito próximos dos dados do governo federal.
Mas, na avaliação de Rabi e do economista especializado em emprego Bruno Imaizumi, da LCA Consultores, o que realmente vem impulsionando a abertura de empresas no País é a fraqueza do mercado de trabalho para gerar vagas formais, com carteira assinada.
Faz tempo que os brasileiros convivem com uma taxa de desemprego elevada. Desde de 2016, a desocupação tem ficado acima de 10% a cada trimestre, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No primeiro trimestre de 2021, beirou 15% e, de lá para cá, veio caindo. Mesmo assim, no trimestre encerrado em janeiro, o último dado disponível, o desemprego ficou em 11,2%.
Para Imaizumi, a dificuldade de encontrar um emprego formal e obter renda aparece não só na taxa de desemprego, mas nas marcas recordes de 12,5 milhões de trabalhadores no setor privado sem carteira e em 25 milhões que exercem atividades por conta própria. E parte dessas pessoas acabam virando empreendedores para sobreviver.
O avanço do “empreendedorismo de necessidade” é nítido tanto nos dados de abertura de empresas da Serasa como na pesquisa do governo federal. Em ambos os levantamentos, a maior parte das companhias abertas é de uma pessoa só ou, no máximo, com mais um funcionário.
De cada dez empresas que iniciaram atividades no ano passado, quase oito foram Microempreendedores Individuais (MEIs). É bom lembrar que essa modalidade de empresa teve também a abertura muito facilitada pela redução da burocracia, o que pode ter ajudado a engrossar esse movimento.
Os MEIs, cujo limite de faturamento anual é de R$ 81 mil, somaram 3,2 milhões de novos CNPJs (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) no ano passado, segundo a Serasa.
A “A Casa do Baião de Dois” é um desses novos microempreendedores. A companhia começou a funcionar formalmente em janeiro de 2021, no bairro paulistano do Bexiga. Com curso de gastronomia, Patrícia Bandeira, de 27 anos, casada e mãe de uma menina de sete meses, foi dispensada do estágio quando a pandemia começou e os restaurantes fecharam. “Na época, tinham poucas vagas de emprego”, lembra.
A saída foi fazer da receita de baião de dois, prato tipicamente nordestino que agradava aos amigos, a sua fonte de renda. “Decidi cozinhar baião de dois porque estava desempregada e precisava pagar as contas.”
Após ser demitida, Patrícia abriu MEI para vender marmitas Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Inicialmente, ela trabalhava na informalidade: preparava a comida na cozinha da sua casa e entregava aos clientes. Com o tempo, o prato foi sendo incrementado – com linguiça, contra filé – e a freguesia também. Ela teve de alugar um ponto comercial onde cozinha e despacha as marmitas pelo serviço de entrega. Hoje Patrícia vende entre 10 e 20 marmitas por dia. “Quero crescer. Mas para isso preciso de dinheiro para divulgar, fazer estoques e dinheiro a gente não tem.”
Serviços de alimentação, como os prestados por Patrícia, estão no topo do ranking dos setores de empresas que ingressaram no mercado no ano passado, com 8,7% de participação, aponta a pesquisa da Serasa. Em seguida vêm as companhias de reparos e manutenção de prédios e instalações elétricas (5,9%) e comércio de confecções (5,8%) e serviços de beleza (5%). Esses setores responderam por 25% das empresas abertas.
“Os setores que lideram são sempre os mesmos: serviços de baixíssima complexidade, nos quais os prestadores não precisam ter diploma para executar”, resume Rabi. Na opinião do economista, isso faz acender um sinal de alerta.
O fato de a ocupação estar crescendo na prestação desses serviços resolve o problema de sobrevivência das pessoas no curto prazo. No entanto, Rabi observa que é ruim para a economia como um todo a médio e longo prazo. “Essas atividades são de baixa complexidade e geram menor produtividade e crescimento.”
Boa parte desse movimento persistente das pessoas buscarem ter um negócio próprio para obter renda é resultado de problemas estruturais da economia brasileira que não consegue retomar a trajetória de crescimento sustentado do emprego formal, explica.
No ano passado, como é habitual, o número de empresas fechadas foi menor do que o de empresas abertas. Mas o volume de fechamentos voltou a crescer e aumentou num ritmo mais acelerado do que o de aberturas.
Dados do Ministério da Economia mostram que 1,41 milhão de companhias deixaram de funcionar, um volume 35% maior ante 2020. Mesmo assim, o saldo de 2,6 milhões de novas empresas abertas em 2021 também foi recorde da série histórica.
Diante da alta da inflação, que em 12 meses passa de 10%, dos juros básicos, hoje em 11,75% ao e com viés de alta, e do baixo crescimento da economia, a vida das empresas, especialmente das micro e pequenas, não tem sido fácil. “O alto índice de endividamento é preocupante, chega a 5%, praticamente o dobro dos níveis históricos”, afirma o consultor Luís Alberto Paiva, sócio da Corporate Consulting, especializada em reestruturação de companhias.
Ele observa que, neste cenário, as menores não resistem. Normalmente encerram as atividades e iniciam outros negócios em novas praças. E isso, segundo o especialista, acaba turbinando o número de empresas abertas numa proporção muito maior em relação à quantidade de empresas fechadas.
Publicado por Estadão
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