Em meio a uma pandemia, qual é o empresário que não gostaria de ver a sua dívida cair 50%, ter um prazo de 18 anos para quitar o que restou, com um ano de carência?
Essa condição, até difícil de imaginar no mundo dos negócios, foi obtida na Justiça pela Breithaupt, tradicional rede com 12 lojas de material de construção de Santa Catarina.
No segundo semestre do ano passado, a empresa, localizada em Jaraguá do Sul, entrou com pedido de recuperação judicial por conta de uma dívida de R$ 30 milhões.
Recentemente, uma assembleia com cerca de 150 credores aprovou o deságio e o parcelamento de pagamento como voto de confiança na rede quase centenária.
“Tivemos a coragem de tomar uma decisão para salvar o negócio da família. A recuperação judicial é um remédio amargo, mas possibilitou a recuperação da empresa”, afirma Bruno Breithaupt, presidente da companhia.
Também foi aprovada a venda de imóveis e de sete lojas de autopeças que pertencem à família para reforçar o caixa e acelerar a amortização do pagamento dos credores.
Quais foram as ações da empresa para mostrar aos credores, principalmente fornecedores e bancos, que ela voltaria a ser saudável financeiramente?
Uma das primeiras ações foi mudar o processo de compra de mercadorias, privilegiando os produtos com giro mais rápido.
A empresa costumava comprar praticamente quase toda a linha de produtos de fornecedores, prestando pouca atenção no que vendia mais ou menos.
Metade do volume que adquiria dos grandes fornecedores não vendia, comprometendo o resultado da organização no final do mês.
Com 300 funcionários, antes tinha 350, o faturamento da empresa gira em torno de R$ 4 milhões a R$ 5 milhões por mês, com crescimento de 10% ao mês desde janeiro.
Breithaupt afirma que a companhia “está chegando ao ponto de equilíbrio”.
Diz que o segundo semestre será ainda melhor, pois a venda de material de construção é sempre maior de julho a dezembro do que no primeiro semestre.
“Reduzimos a linha de eletrodomésticos, com foco em material de construção”, diz Luís Paiva, sócio-diretor da Corporate Consulting, que conduziu a reestruturação.
Um aporte de R$ 16 milhões de instituições financeiras para capital de giro também ajudou, assim como a troca de lojas maiores por menores.
As lojas da rede tinham de 300 a 3.500 metros quadrados. A partir de agora, a maior deve atingir 1.500 metros quadrados, no máximo.
Há um esforço maior em capacitação de equipes, que estão mais preocupadas com o atendimento ao cliente.
“Todos os dias em uma loja há equipes em treinamento para explicar metodologia de venda, procedimentos logísticos, funcionamento do crediário e dar informações sobre os produtos vendidos”, diz Breithaupt.
COMPRAR BARATO E VENDER CARO
Depois de participar da reestruturação de várias empresas, Paiva assegura que o setor de varejo é um dos menos preparados para enfrentar crises.
“A filosofia, geralmente, é comprar barato e vender caro, e ganhar no financiamento da venda, com pouco ou sem foco em inovação do modelo de negócio.”
Mais recentemente, diz ele, os modelos de negócios mudaram, e com o e-commerce crescendo, é preciso ter inteligência e esquecer o modelo de tabloides.
No conceito antigo de relações do varejo, os empresários se apoiavam no crédito oferecido pelos grandes fornecedores.
“Com esse modelo, os lojistas estreitam margens e não conseguem competir com o varejo eletrônico. A missão agora é trazer inovação para o velho negócio e cortar o cordão umbilical de crédito de fornecedores”, afirma.
A recuperação judicial, diz ele, sempre foi evitada pelas empresas, pois os empresários entendem que, com este processo, estão assinando um documento de derrota.
“A recuperação judicial serve muito bem para equalizar o caixa de uma empresa, que não terá que se descapitalizar ou fazer loucuras para pagar fornecedores.”
Mais do que isso, diz ele, o processo permite adotar estratégias para repensar o negócio de maneira diferente, atrair investidores.
“Há mais investidores interessados em empresas em recuperação judicial porque eles não são sucessores de passivos, compram uma operação limpa.”
O que não pode, de acordo com Paiva, é recorrer ao processo tarde demais, isto é, quando a empresa já não tem a menor capacidade de se recuperar.
Ele cita o caso da Ricardo Eletro, rede de eletrodomésticos que fechou as lojas e entrou com pedido de recuperação judicial. “Aí, sim, tarde demais.”
ACORDO EXTRAJUDICIAL
A recuperação extrajudicial é outro caminho também sugerido por profissionais que trabalham em processos para salvar empresas.
O primeiro passo, assim como no caso da recuperação judicial, é fazer um diagnóstico da empresa, traçando um perfil da dívida, com bancos, fornecedores, empregados, e analisar a capacidade para quitá-la.
Um plano é apresentado para os credores e pode ser aprovado por 50% deles mais um, desde janeiro deste ano, com a reformulação da lei 11.101 de 2005.
Na recuperação extrajudicial, também a partir e janeiro, a empresa ganha o stay period, quando todas as execuções contra ela ficam suspensas por 180 dias.
Uma das restrições no processo da recuperação extrajudicial é em relação às dívidas trabalhistas, que precisam ser negociadas com os sindicatos.
“Hoje, há meios muito mais eficazes e modernos para se recuperar uma empresa, muito diferente da época da concordata, considerada a porta de entrada da falência. Hoje, é a porta de saída”, afirma Marcos Andrey de Sousa, advogado especializado em direito comercial, que também participou do processo da Breithaupt.
A recuperação extrajudicial tem ganhado força, diz ele, tanto que este tipo de processo aumentou significativamente no último ano em seu escritório.
Diante da crise pela qual o país passa, a sensação é que os pedidos de recuperação judicial estão batendo recordes, mas não é bem assim.
De acordo com dados da Serasa Experian, de janeiro a maio deste ano, os pedidos de recuperação judicial somaram 371 no país.
No mesmo período do ano passado foram mais pedidos, 471.
Os pedidos deferidos foram 283 e 329, respectivamente no período.
Luiz Rabi, economista sênior da Serasa Experian, explica que os números são menores neste ano porque houve mudança na legislação que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência das empresas.
“A mudança da lei e o lockdown acabaram resultando na diminuição desses números porque as empresas aguardaram para tomar decisões. Foi um período atípico”.
A média mensal de pedidos de recuperação judicial neste ano está em 74. Ano passado foi de 98 e, em
2018, de 117.
Considerando somente o mês de maio, o volume de requisições de recuperação judicial aumentou 48,4% em relação a abril.
Foram 92 pedidos, principalmente de micro e pequenas empresas. Na comparação com maio de 2020, houve queda de 2,1%.
Mas as empresas de menor porte apresentaram crescimento no período, indo de 54 pedidos em maio de 2020 para 60 em maio deste ano.
Para Rabi, este número da média mensal deve voltar a bater os 100 ou 110 neste ano, considerando os dados de inadimplência das empresas, considerados uma etapa anterior aos pedidos de recuperação judicial ou extrajudicial.
Em maio deste ano, 5,915 milhões de empresas estavam inadimplentes no país, das quais 92% eram micro e pequenas.
Em dezembro do ano passado, este número era de 5,786 milhões de empresas.
Isto é, neste período de cinco meses há 130 mil empresas a mais sem condições de quitar as dívidas em dia, das quais 86 mil são micro e pequenas.
Publicado por Diário do Comércio
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