
Entre as mudanças mais expressivas, segundo especialista da área, a ampliação das possibilidades de financiamento é um dos principais destaques
Em substituição ao regime da concordata, a Lei de Falências e Recuperação de Empresas (LFRE), de 9 de fevereiro de 2005, representou avanço no direito empresarial brasileiro. Vinte anos depois e após passar por diversas atualizações para acompanhar o ritmo das transformações econômicas globais, o instituto apresenta cada mais oportunidades para a reabilitação de negócios de todos os portes.
Entre as mudanças mais expressivas, segundo o sócio especialista em recuperação judicial do escritório Paschoini Advogados, Rafael Santana Coelho, destacam-se a ampliação das possibilidades de financiamento durante o processo, "permitindo que empresas em dificuldades obtenham crédito com garantias mais robustas, incluindo a priorização no pagamento desses financiamentos em caso de falência".
Além disso, o advogado salienta outro diferencial importante: a criação de regras mais claras para a alienação de ativos, "garantindo que unidades produtivas possam ser vendidas sem a sucessão de dívidas, o que facilita a entrada de novos investidores e a manutenção das atividades da empresa recuperanda". A reforma trouxe também maior segurança jurídica ao permitir a apresentação de plano alternativo pelos credores caso o plano proposto pela empresa seja rejeitado, garantindo maior equilíbrio nas negociações.
Em relação ao tratamento de créditos tributários, Coelho cita a criação de "mecanismos mais flexíveis para parcelamento e transação de dívidas fiscais, possibilitando a negociação de passivos com o fisco sem comprometer a viabilidade do plano de recuperação".
Para Luís Alberto de Paiva, economista e diretor da Corporate Consulting, a legislação anterior não dava nenhuma mobilidade as empresas: "Elas tinham que resolver os seus problemas em um prazo máximo de dois anos, e isso tudo era decidido pelo síndico da recuperação judicial".
De acordo com ele, nos primeiros processos encaminhados por meio da LFRE ainda se trabalhava com os antigos síndicos das concordatas, mas quando o judiciário começou a se aparelhar a situação foi ganhando forma até chegar aos patamares atuais. "Hoje existem varas especializadas pelo Brasil inteiro, os administradores judiciais são extremamente capacitados para isso, os credores entendem o procedimento de recuperação judicial e as tratativas são extremamente profissionais nesse sentido", destaca.
Dados recentes do Serasa Experian mostram que quase 60% dos requerimentos feitos em 2024 levaram as empresas brasileiras a superarem as crises. No ano passado, segundo o mesmo levantamento, houve 949 pedidos de falência no País, indicando uma queda de 3,5% na variação anual do indicador. Diante dos bons resultados, especialistas avaliam a eficácia e as vulnerabilidades das regras desde a sua implementação.
Apesar dos bons resultados, o senior partner do escritório especializado em reestruturação de empresas Grand Hill, Fábio Siebert, afirma que ainda há uma certa resistência por parte dos empresários em ingressarem com o processo. Na sua avaliação, isso ocorre pelo simples desconhecimento desse instrumento judicial: "Acredito que é uma questão cultural, pois 90% das empresas brasileiras são familiares. Existe muito aquela questão do envolvimento com a comunidade, em cidades menores, onde há aquele receio sobre o que os outros vão dizer sobre a recuperação judicial".
Nesse sentido, o timing é essencial. Esse medo em agir na hora certa pode significar o fracasso da estratégia. "O empresário fica sempre com aquela esperança de que pode tentar mais um pouco e acaba se utilizando dessa lei como uma 'bala de prata'. Muitas vezes, estamos falando de situações nas quais se o empresário tivesse entrado com o recurso um ano antes, seria possível recuperar o negócio", alerta o especialista.
De acordo com outro senior partner da Grand Hill, Marcello Lauer, "casos como os ocorridos em empresas gaúchas que enfrentaram a tragédia climática de maio passado são emblemáticos". Tratavam-se de empresas que tinham um curso normal das suas operações, algumas, inclusive, saudáveis financeiramente, outras já com alguma dificuldade. Mas as enchentes foram um evento extraordinário, que interrompeu as atividades por um determinado período de tempo e prejudicaram o seu funcionamento normal.
"Apesar de terem sido obrigadas a parar, já que muitas perderam mercadorias e até maquinário, elas tinham suas obrigações, venciam fornecedores, venciam parcelas de banco, enquanto ela não tinha receita. Esse é um caso típico que se beneficiaria por meio dessa lei", destaca Lauer.
O especialista afirma ainda que o Estado tem muitos exemplos de empresários que saíram fortalecidos após o processo de recuperação judicial. "Após isso, eles têm uma maior noção de planejamento econômico/financeiro, com princípios de governança sendo aplicados nas suas empresas, a criação de conselhos de família, ou seja, o recurso não só atingiu o seu objetivo em si, que era equacionar os passivos para que essa empresa continuar se desenvolvendo, mas trouxe um aprimoramento da cultura empresarial, especialmente no aspecto de governança", conclui.
Matéria publicada pelo
Jornal do Comercio